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Noite brasileira: boa comida e um papo intercultural sobre política

Meu marido sabe que adoro cozinhar e ele adora minha comida. No mês de novembro de 2016, passei duas semanas em Seattle. Ele estava trabalhando durante este período e por duas noites decidiu convidar amigos para jantar. Na primeira noite, cozinhei um espaguete, mas na segunda noite, optei por seguir nossas tradições na hora de cozinhar.

Cozinhei um dos pratos prediletos de Joel: sopa de ervilha. Para a sobremesa, fiz brigadeiros gigantes. Enquanto todos comíamos na “noite brasileira”, conversávamos sobre diversos assuntos. Eles amaram a sopa de ervilha, isto sem falar no brigadeiro… Este recebeu o adjetivo “rico”. Foi interessante ver uma pessoa comendo brigadeiro pela primeira vez na vida. Eles me fizeram dar a receita a qualquer custo.

Sopa de ervilha
Sopa de ervilha

Além disso, conversamos sobre diversas questões políticas ao redor do mundo. Durante aquele bate-papo, um dos rapazes fez elogios aos nossos protestos nas ruas. Disse como gostaria de um dia visitar o Brasil. Falamos sobre políticas de cotas… Falei sobre o “fim” da escravidão no Brasil e sobre a relação disto com as desigualdades raciais no Brasil.

Eles falaram sobre o sistema prisional americano e sua característica racista. A maioria é formada por negros e latinos. Além disso, discutimos sobre o armamento da população americana. Como é fácil conseguir armas neste país! Como há um número absurdo de lojas de armas em bairros pobres!

Eles criticaram a infinita participação do país em conflitos… Em nossas conversas, todos lamentamos o episódio ocorrido em 11 de setembro, porém discutimos como o ódio tem sido semeado entre os povos por questões econômicas e aquele episódio foi uma triste colheita. Além disso, este episódio, segundo eles, serviu para restringir ainda mais os seus direitos. Eu ouvi a frase “Não nos sentimos livres”. Meu marido sempre disse como se sente mais livre no Brasil, mas eu confesso que fiquei surpresa de ouvir isto de outras pessoas.

Eles disseram que após o episódio de 11/09 em relação às liberdades, tudo só piorou. O governo pode acessar telefones celulares, computadores pessoais e o incidente só fez com que estas situações fossem cada vez mais recorrentes.

Contei como fiquei irritada ao perceber que funcionários do governo americano quebraram o cadeado da minha mala e olharam o que havia dentro sem solicitar a minha presença (pasme, isso é permitido lá). Quando retirei minha mala, percebi que estava sem cadeado mas pensei que havia quebrado durante o transporte. Porém, ao abrir havia um comunicado nas línguas inglesa e espanhola, onde eles informavam que minha bagagem havia passado por uma inspeção. Isso me irritou e chocou, mas todos eles disseram que isto fazia parte do cotidiano.

Comunicados deixados na mala
Comunicados deixados na mala

Eles falaram de inovações tecnológicas que eu não poderia imaginar… Fizeram-me pensar sobre a manipulação do clima! E todos disseram que esta tecnologia existe, é utilizada e tem sido revertida em catástrofes “sem explicações”. Pensei no poder que poucos seres humanos possuem, mas na verdade nenhum deveria possuir.

Dessa experiência, reforço o questionamento: a grama do vizinho é mesmo mais verde? Se um dia decidir sair da minha terra, quero fazer isso pelas motivos certos, não tenho a inocência de que meus problemas irão acabar quando deixar o país. Surgirão problemas de outras categorias, sim, surgirão. Questões raciais, desqualificação profissional, choque cultural, diferenças climáticas…

Se quiser deixar o país, vá em frente, mas sem ilusões.

Brasileira e carioca. Residente no Rio de Janeiro. Formada em Pedagogia, atua como professora, mais especificamente na área de Educação Especial. Casada, além disso vive com um cachorro com uma inteligência assustadora. Ama dançar. Mochileira assumida com paixão por botar o pé na estrada.