Aquela garota: quem disse que somos uma coisa só?
Cada um tem seus motivos próprios para viajar. Conheço muitas mulheres determinadas que iniciaram sua trajetória pelo mundo depois de um rompimento em sua vida. Sempre me interessei por viagens desde que era apenas uma menina crescendo na Zona Oeste do Rio. Achava que viver desta forma era impossível e, um dia, com suporte de uma pessoa preciosa para mim, descobri que aquela ideia de impossibilidade era só uma construção.
Quando eu viajo, não é meramente desconectar. É estabelecer conexões com o que eu realmente quero viver. Aquele momento que eu só quero calçar um tênis e olhar ao redor. Aquele momento que eu quero “pagar de turista” e fazer aqueles programas chamados de imperativos para cada cidade. Aquela que sabe de algo inusitado naquele local e quer fazer aquilo, simplesmente porque sabe que é capaz.
Quando viajo, sou aquela garota. Aquela que largou a calculadora e parou pelo menos por alguns dias de calcular o orçamento do mês. Que por um instante parou de organizar seus horários e cumprir com seus compromissos semanais. Que parou por um tempo de ler as notícias, ficar irritada com o que acontece no Planalto ou na Câmara e vai às manifestações correndo o risco de levar porrada.
Existe algum motivo que me impeça de fato de ser aquela garota? Aquela garota tem pensamento crítico, mas por um segundo no infinito decidiu deixar de reclamar e apenas contemplar. De forma alguma, isto a torna alienada. Pois quando ela voltar à rotina, e certamente ela voltará, ela terá forças para continuar. Ela lutará para que um dia seja certo de que nada será como antes.
“Ela não é fragmentada. Essa garota é muitas coisas.”
Ela não é fragmentada. Essa garota é muitas coisas. Dentre estas, ela é aquela garota que por um minuto deixou de lado tudo que ouvira desde que era uma menininha e mostrou antes de tudo, para si mesma, que não precisaria necessariamente seguir o fluxo. Havia outras formas de se realizar. Quem disse que tudo acontece de uma forma única? Quem disse que um dos meus maiores defeitos, a teimosia, não me faria crescer imensamente a cada dia? Certamente isto é paradoxal, mas é verdade.
Ainda sou aquela mulher que luta, que reclama sobre a falta de dignidade no trabalho no serviço público, que vai às assembleias e expõe sua opinião, que se organiza para ter uma vida confortável e segura, que se esforça para fazer a família feliz apesar de suas mancadas comuns aos seres humanos, que faz uso da fé em Deus para permanecer de pé… Mas nem por um minuto, nem por um segundo, deixei de ser aquela garota.