Eu amo o Caribe – Cuba parte II (Reflexões!)
Sempre que tenho a oportunidade de sair de casa, seja só pra ir à padaria, seja pra outro país, eu gosto de ouvir as pessoas. Conversar sobre onde elas moram, como elas se sentem, o que fazem. A gente sempre sai enriquecido dessas conversas. Meu marido quase pira porque diz que eu falo com todo mundo e solta sua famosa exclamação: “ó tu falando de novo…”. Garanto que não atraso nossas saídas por isso, mas é verdade, falo mesmo. E nessa de conversar muito, acabei conversando com algumas pessoas que vivem em Cuba. Gastei meu portunhol arrumado, coisa fina, e falei com a galera.
Uma coisa que a gente ouve falar sempre e acaba sempre pensando que é ruim é a tal frase “ah, vai pra Cuba!”. Como se fosse castigo ir pra lá… E aí te convido a pensar: será que é castigo mesmo? Se você leu este post sobre Cuba você talvez vai começar a pensar que não. Cuba é lindo, tem muita diversão. Não enfatizei muito no outro post, mas o povo é alegre, ama os brasileiros e tem interesse ávido pela nossa cultura e pelas nossas novelas! Eles adoram novela brasileira! Aliás, se você for pra lá, compre uma meia dúzia dessas revistinhas de fofoca de novela baratinhas e leve pra eles. Vai ganhar muito amor e descontos! Ah, se eu soubesse disso antes de ir…
Voltando ao assunto: morar em Cuba seria castigo? Temos algumas possibilidades (tirei essas conclusões das conversas com a galera de lá):
Se você pudesse ir pra lá com muito dinheiro no bolso, de modos que nunca precisasse depender do governo de lá e pudesse voltar pro seu país quando bem entendesse, não seria. Claro que não seria! Tem um monte de empresário rico que põe seus hotéis lá e ganham uma penca de dinheiro com o turismo. Não é que eles escravizem o povo, não de propósito. Pagam ao governo o salário correto do trabalhador e o governo cubano repassa uma parcela ínfima ao trabalhador. Claro que tendo dinheiro de fora, você moraria no paraíso. Mas quem é rico, rico mesmo, não precisa se preocupar muito com onde vai morar, convenhamos…
Agora pensa que você vive sua vidinha boa de classe média ou média alta ou mesmo média baixa aqui no Brasil. Você sabe que se você se esforçar você consegue trabalhar, juntar uma graninha e viajar – até pra fora do país! Ainda que você nasça na favela, tem algumas chances na vida pra você (não vou discutir meritocracia aqui, são hipóteses, ok?!). Mal ou bem, partindo ou não do mesmo ponto, em certa medida a gente tem alguma chance de crescer. Aí, do nada, você é enviado pra Cuba. Só uma suposição, uma fantasia aqui… De repente, você se vê tolhido por um sistema autoritário, que não te deixa nem ter internet direito (não podia até pouco tempo e, além disso, é caríssimo!), não te deixa viajar pra qualquer lugar – tem limitação até dentro do país se precisar de barco ou avião. Você é obrigado a viver com um salário que mal chega a 10 dólares (americanos) por mês e precisa depender muitas vezes de gorjeta de estrangeiros pra suprir a renda. Ainda tem que, se você trabalhar pro turismo, você sente a pressão da família pra dar as gorjetas pra eles, pra sustentar até seu primo. Você torce pra trabalhar num lugar que venda carnes, porque assim você ganha um pouco de comida e leva pra casa. Ainda que você tenha educação e saúde garantidas, se você está acostumado com a “liberdade” que temos no Brasil, viajar pra Cuba será um castigo.
Mas abra sua mente e coração… Pense cá comigo em outra possibilidade.
Imagina uma situação de miséria, miséria mesmo. Provavelmente, se você está lendo aqui, você não passa ou provavelmente nunca passou por miséria. Sim, porque a poucos quilômetros de grandes centros urbanos existe uma realidade quase medieval, de gente que sobrevive com o mínimo dos mínimos. Gente que não sabe se vai comer o almoço, gente que vende o corpo, gente abusada. Tem gente que não vai conhecer nunca como é a vida fora daquele “gueto”. Tem gente nesse momento, crianças, que não conhecem outra situação sem ser a guerra. Pense então que pra essas pessoas seja dada, de uma hora pra outra, a possibilidade de morar num país onde as pessoas não precisam se esforçar pra estudar, porque a escola é de graça. Em que não existe fila do SUS, porque o hospital tá lá, só ir. Onde você não come muita carne, mas come frango e tem o mínimo pra comer. Onde a casa pode não ser sua propriedade no papel, mas você mora. Onde você pode não ter carro, mas a galera oferece carona até no táxi pago (verdade, não se assuste se seu táxi em Cuba parar e pegar um nativo de carona sem cobrar nada). Imagina se essa pessoa vai considerar isso vida ruim? Porque, meu caro, quem nasce no sertão do nordeste brasileiro ou lá na Síria hoje, provavelmente nunca vai conhecer outra situação além de miséria, fome e abuso. E pra essa gente eu te pergunto: ir pra Cuba é castigo? Nascer na favela miserável e ser escravo de traficante ou nascer no sertão brasileiro é tão melhor assim que ir pra Cuba?
Então…Ouço uma galera dizer mal do sistema de lá, que é isso e aquilo. Uma pessoa falou pra mim uma vez que Cuba é péssimo. Perguntei se ela já foi. Respondeu que não e sequer tem interesse. Mas meteu o malho. Como, né? Falar do que não conhece… Eu não estou defendendo nada, estou te convidando a refletir. Qualquer sistema é corrupto. O simples fato de existir desigualdade no mundo (que deveria oferecer suas maravilhas pra todos) indica algo muito errado. Uma pequena parcela da população mundial detém toda a riqueza do planeta. E a gente acaba em certa medida vivendo pra juntar dinheiro, pra “melhorar” de vida. Fica aí meu convite à reflexão.
PS: Eu vi situações de pobreza extrema em Cuba sim. Tal como no Brasil, lá existe a utopia universal que a vida na cidade grande é melhor. Aí o povo se muda pra cidade e vive em situação sub-humana em casas que são transformadas em mini-favelas. Pegam uma casa antiga de pé-direito alto e fazem até 4 andares onde moram famílias inteiras por andar. E tem prostituição também. O turismo sexual é real e precisa ser combatido. É uma maneira de aumentar a renda das famílias e denota a miséria humana.
PS2: O embargo, pelo que senti deles, afeta muito mais que o regime autoritário. Muitos remédios importantes para tratamento de câncer, por exemplo, são inacessíveis. Isso porque os EUA não os vendem pra Cuba e eles precisam comprar de outros países, como do Brasil. Isso eleva o tratamento dos doentes a um preço impraticável e eles sofrem muito com isso. O embargo lá é muito mais mortífero que o sistema em si. Veja, não digo que concordo com o sistema como é exatamente, estou retirando a conclusão dos relatos da população.
PS3: O povo de Cuba é extremamente solidário ao semelhante. Todos sabem que tudo é de todos. Então, o táxi, como mencionei, pode sim dar carona pra um nativo sem ao menos perguntar se você quer. Afinal, você é o turista, a corrida está paga – bem paga em CUCs – e não é custo a mais dar carona. Mas vale a pena aproveitar a oportunidade e papear.