O bom político
Num dos últimos posts, a Denise fala dos dilemas dos viajantes do dia a dia. Considero que sou uma dessas, pois moro em Petrópolis e desço para a Baixada Fluminense de segunda a sexta. Acho que posso considerar essa historinha aqui um caso de viagem…Bem apropriado nesse momento de fervilhamento político da nossa nação…A conversa relatada aqui aconteceu no começo deste ano de 2017.
Eu odeio a síndrome do cachorro vira-latas. Todo brasileiro tem um pouco disso. Principalmente os que viajam um pouco pra fora, Europa ou EUA. Como disse a Denise aqui a gente tem mania de achar que fora é tudo melhor. Eu morei fora por quase um ano e vou dizer que, de fato, você vai perceber na cultura dos europeus que eles no geral se sentem mal de usufruir de algo injustamente e vão devolver dinheiro achado “fácil” porque simplesmente “não é deles”. Mas claro que tem gente desonesta lá também. Procure saber das histórias de xenofobia da França e Alemanha e as loucuras de quem votou no atual presidente dos EUA. Então, entenda que a crítica escrita abaixo é um desabafo de quem mora aqui no Brasil e desesperadamente deseja um país melhor.
Peguei o transporte interno do trabalho, como de costume. O campus é grande, então pra não perder tempo, temos uma circular que faz o percurso entre os prédios periodicamente. Trabalho no mesmo lugar faz oito anos e meio, e muitos funcionários eu conheço do dia a dia. O motorista da van eu já conhecia, mas (como também de costume!) ele me perguntou há quanto tempo eu trabalhava lá. Era um pretexto pra comentar que ele já estava lá fazia 36 anos. Como ele já tem mais de 60 e cabe nas regras de aposentadoria, eu perguntei: “Poxa, mas isso é tempo pra se aposentar, hã?!”. Ao que ele me respondeu: “ah, sim…Mas não quero não. Prefiro trabalhar e encher a mente. Lá fora eu brigo, bebo. Massss…Se ‘ Uóxito’ me der o que prometeu…” Aqui eu peço licença poética para usar um nome que, se for pronunciado em voz alta, você pode entender qual é. Vou entregar o milagre sem entregar o santo. O Uóxito em questão é um político famoso da região, que já foi deputado (ou vereador) e hoje é prefeito. Enfim, perguntei: “Mas o que ele te prometeu, afinal?” E ele: “Ah, ele prometeu que eu vou dirigir caminhão de lixo.” Já pensei cá comigo que tinha coisa errada, porque essas coisas funcionam por edital, por licitação e não é assim que se convidam amigos ao trabalho. Afinal é uma prefeitura e não empresa privada. Mas deixei que ele seguisse o discurso: “ Mas é assim, ó…Eles todos ‘faiz’ isso mesmo…ele me contrata e dois é dele. “ , “Hã?”, “Ué, ele me contrata e me dá três mil ‘real’ e o resto, que é dois, é dele!”. Aí eu respondi: “Mas, senhor, se ele te contratar por cinco mil, será assinado que o senhor ganha cinco mil e esse salário seria seu. Está errado!”, ao que ele respondeu: “Mas, ‘minina’, Uóxito é bom, ele é muito bom pra nós, coitado. Ele só faz o que todos ‘faz’, que é o jeito de tirar o dele,né?. Porque ele é muito bom e ajuda”. Fiquei enojada da conversa. Porque apesar de saber que a falcatrua existe, que o Brasil tem muita gente assim, é chocante ouvir a realidade de perto. E, por mais humilde que o motorista seja, ele está corrompido. Ele provavelmente xinga políticos em casa, acha que o Brasil está uma porcaria, mas Uóxito… Ah o Uóxito, faz bem de distribuir umas cestas básicas, pintar o muro da igreja e dar cargos como se a prefeitura fosse dele. Isso faz Uóxito um homem bom. O Brasil é reflexo dos brasileiros, afinal.